sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

EM SURDINA


Tranquilos, na meia-luz
Que os altos ramos adensam,
Deixemos o amor a flux
Deste silêncio imenso.

Corações, almas juntemos
E sentidos extasiados
Entre os langores amenos
Dos pinhos e dos ervados.

Teus olhos, então, semicerra,
Cruza os teus braços a jeito,
E do sono a que se aferra,
Afasta os sonhos do peito.

Deixemo-nos enlevar
pelo acalanto da altura
que vem, a teus pés, frisar
a relva fulva que ondula.

E a noite dos lutulentos
Carvalhos, quando cair,
Voz de nossos desalentos,
Um rouxinol vai-se ouvir.

PAUL VERLAINE.
(Trad.: Wladimir Saldanha.)


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En sourdine 

Calmes dans le demi-jour
Que les branches hautes font,
Pénétrons bien notre amour
De ce silence profond.

Fondons nos âmes, nos cœurs
Et nos sens extasiés,
Parmi les vagues langueurs
Des pins et des arbousiers.

Ferme tes yeux à demi,
Croise tes bras sur ton sein,
Et de ton cœur endormi
Chasse à jamais tout dessein.

Laissons-nous persuader
Au souffle berceur et doux
Qui vient, à tes pieds, rider
Les ondes des gazons roux.

Et quand, solennel, le soir
Des chênes noirs tombera
Voix de notre désespoir,
Le rossignol chantera.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

RONDÓ DOS CAVALINHOS (com grifo & letra grande)

(...)

Os cavalinhos correndo,
E nós, cavalões, comendo...
O Brasil politicando,
Nossa! A poesia morrendo...
O sol tão claro lá fora,
O sol tão claro, Esmeralda,
E em minh'alma — anoitecendo!

Manuel Bandeira (grifamos).

domingo, 3 de janeiro de 2016

A CRISTO MORTO

Não me apetece a carne da morte que é eterna.
(Desaparecer, para sempre, um dia eu hei de.)
O que me dobra e verga, da cabeça à perna,
é o fim descomunal da eternidade em Ti.

Nauro Machado. In: MACHADO, Nauro. Antologia poética. Rio de Janeiro: FBN/IMAGO/UMC, 1998, p. 232.

domingo, 27 de dezembro de 2015

CURITIBA

Para Eduardo Zomkowski.

Dispensa essas velhas estampas
recortadas de uma revista:
Petrópolis, Paris. Os pampas,
Paulista.


Quero antes a simetria
dos teus quarteirões sem barroco.
Poucas curvas. Teu mais-seria,
teu pouco


sobrando nas pedras da XV,
no muito do céu de teus parques.
Não falta mar. Faltara fuligem
e charques?


A vida é um ajardinado
sobre os despojos de um rio:
perfeito, ó bela! Só cuidado
com o vazio


que os arquitetos cultivam
em tua possibilidade.
Atenta pro Olho no ar,
cidade.


Já no caminho de Morretes
brincavas de abismo também.
(Domada Iguaçu nos dormentes
do trem.) 


A vida, o ajardinado,
eles pensam que o sonhamos.
Mais um café lá no Mercado;
já vamos


ser de novo o que te preliba
na viagem a planejar:
Curitiba! E Curitiba
ao voltar – 


saudade menina que lembra
um velho exercício de crase:
venho e vou. Jamais se desmembra
teu quase.



quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

NATAL DE HERODES



…for me personally at this moment it would mean that God had given me the power to destroy Himself. I refuse to be taken in.”

AUDEN. The massacre of the innocents.

Nasce. E me apavora
sabê-Lo. Foi um pesadelo:
a manjedoura,
os bichos de pelo
que O circundam.
Não posso crê-lo:
mente o demônio
vindo em meu sonho,
que um rei não nasce
como um campônio!
Mas a estrela – dá-se
que a estrela paira
ainda lá?
Mentiram-me os magos?
Ou mente o demônio,
que é pai da mentira?
Quisera eu primeiro
adorá-Lo; primeiro
com ouro, incenso, mirra
e depois afagos
de O esganar.
Chora? Será que chora
o Menino – me apavora
imaginar
que o Menino chora,
e não estertora,
é por respirar. Nasce
e o esboço de Face
tem de quem o olhar?
De qualquer Maria,
de um José qualquer,
daqui ou da freguesia
de Nazaré?
Com quem se parece?
Perguntei: com Quem?
Nasce – e apavora pensar
que nasceu alguém
que nasceu Alguém
no meu pesadelo
e o demônio vem
me anunciar
como um anjo fê-lo,
mas por me enganar;
e se persuade,
sabê-lo, quem há de?
Vou mandar matar;
a contabilidade
diz-me de dois anos
a engatinhar;
mas serei vassalo
e será maldade?
Ou somente rei
se o recusar?
E será bondade?
Apavora pensar
que posso bondade
com a Natividade
desse Rei dos reis
que é rei de Judá.
É saber: não há.
Mas nasce.... Nasce.
Razão é governar.
E para acalmar
só para acalmar
a superstição,
esta noite não,
mas ao levantar
vou mandar matar.
Massacre dos Inocentes. Léon Cogniet (1824).